Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e do Caribe: celebrando a resistência e imaginando liberdade

No dia 25 de julho, celebramos o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, uma data para refletir sobre a luta e a resistência das mulheres negras nesta região. Esse dia foi instituído em 1992, durante o Primeiro Encontro de Mulheres Afro-Latino-Americanas e Afro-Caribenhas na República Dominicana, como um símbolo de visibilidade e reconhecimento. Entretanto, ao comemorar a data, é fundamental considerar as práticas concretas de violência e discriminação que essas mulheres ainda enfrentam atualmente.

Lélia Gonzalez, uma das grandes intelectuais brasileiras, afirmou que o racismo no Brasil é um “racismo à brasileira”, ou seja, extremamente sutil e prejudicial. “A mestiçagem foi o véu sob o qual se abrigou a discriminação racial”, escreveu Gonzalez (1984). Esse racismo dissimulado continua a impactar profundamente a vida das mulheres negras, que sofrem dupla opressão – de gênero e raça. Prova disso são os inúmeros casos de discriminação que surgem na mídia diariamente, cujos agressores não são punidos.

Em “Mulheres, Raça e Classe”, Angela Davis descreve como a interseccionalidade da opressão se manifesta na vida das mulheres negras. Ela escreve: “As mulheres negras não estão lutando contra o sexismo e o racismo como questões separadas, mas contra uma opressão entrelaçada que é a soma dos dois, exacerbada” (Davis, 1981). Esta é uma compreensão profunda de como a opressão interseccional se desdobra em nossas vidas.

Como escritora afro-americana de renome, bell hooks destaca o papel da autodefinição e da busca de autonomia pelas mulheres afro-americanas. Em “Ain’t I a Woman”, ela afirma: “Ao nos definirmos por nós mesmas, nos reapropriamos do poder que nos foi negado pelas narrativas opressoras” (hooks, 1981). A luta persistente das mulheres afro-americanas pela redefinição nos setores político, social e cultural nunca termina.

A questão que surge, então, é se o Brasil realmente oferece liberdade para as mulheres negras. Embora a escravidão tenha sido abolida há pouco mais de 130 anos, a brutalidade policial, a precariedade dos serviços públicos, a discriminação no emprego e a representação tendenciosa nos meios de comunicação são apenas alguns exemplos das inúmeras maneiras pelas quais as mulheres negras são impedidas de serem livres.

Num mundo onde a desigualdade persiste há muito tempo, a luta pela justiça e igualdade é diária. Deve-se celebrar o sucesso das mulheres negras, mas não se pode afirmar que isso representa a verdadeira libertação. Desenvolver políticas públicas, fortalecer movimentos sociais e educar o público sobre a não-racialização são desafios que precisam ser enfrentados.

Aproveito para refletir sobre os desafios propostos por Djamila Ribeiro em seu livro “Pequeno Manual Antirracista”. Ela nos convida a ir além da simples celebração de datas comemorativas e a enfrentar de frente os problemas estruturais do racismo. Ela desafia o leitor a adotar atitudes práticas e a se envolver de maneira ativa na luta antirracista, promovendo mudanças concretas e não apenas discursivas.

Um exemplo pessoal que me vem à mente é de quando vi um vídeo de uma advogada na rede social Instagram relatando a discriminação que sofreu ao tentar acessar um fórum de justiça no Brasil. Essa violência é muito mais comum do que as pessoas imaginam. Eu mesma, autora deste texto, passei por essa situação duas vezes, o que, apesar de figurar publicamente como advogada e empoderada, me causa temor e constrangimento ao ir a esses lugares. Em ambos os casos, tanto eu quanto a advogada do vídeo estávamos acompanhadas por pessoas brancas que não tiveram quaisquer problemas em acessar “a justiça” com os mesmos tipos de credenciais que nós, mulheres negras, tínhamos.

Esses casos são discriminações óbvias e refletem uma realidade que muitas mulheres negras enfrentam diariamente. A questão que fica é: o que a sociedade tem feito para mudar essa situação? Estão realmente sendo adotadas medidas práticas ou ainda se acredita que frases de efeito e campanhas superficiais vão mudar a realidade dessas mulheres, ou apenas perpetuar essas violências?

O Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha é, portanto, uma data para celebrar conquistas e resistência, mas também para lembrar e priorizar as batalhas que ainda precisam ser lutadas. A partir da leitura de Lélia Gonzalez, Angela Davis e bell hooks, somos lembrados da complexidade da luta contra o racismo e o sexismo. A libertação para as mulheres negras só será uma realidade quando derrubarmos completamente as estruturas de opressão ainda tão aparentes na atualidade. Que este dia nos inspire a lutar por um amanhã mais feliz, justo e equitativo para todas as mulheres negras. É preciso uma ação contínua e consciente para transformar a sociedade de maneira que essas práticas discriminatórias sejam eliminadas de uma vez por todas.

REFERÊNCIAS

Gonzalez, L. (1984). “Racismo e Sexismo na Cultura Brasileira”.  

Davis, A. (1981). “Women, Race, & Class”.  

hooks, b. (1981). “Ain’t I a Woman: Black Women and Feminism”.

2 Responses

  1. Parabéns, Thaís, excelente reflexão. Também passo por situações semelhantes, mesmo publicamente, como você destacou, empoderada.

  2. Ler teus artigos, Thaís, é sempre um carinho ao coração para nós mulheres negras, sobretudo, as mulheres negras advogadas, porque no mundo real é tão difícil ser creditada e/ou reconhecida por sua competência. A gente tem que ser uma gênia para romper as barreiras do racismo e conquistar um lugarzinho ao sol. Só nós sabemos! Um cheiro! Ubuntu!✊🏾

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