Resolução online de disputas e smart contracts

Não há dúvidas de que, no nosso mundo atual, a globalização é uma realidade. Apesar do surgimento de alguns movimentos nacionalistas recentes, o processo de globalização se instalou no mundo moderno e espraiou os seus efeitos no mundo pós-moderno e, assim, foi responsável por consumar drásticas mudanças em todas as relações sociais, sejam elas entre Estados, entre Estados e particulares ou ainda entre particulares, sob as mais diversas perspectivas.

  • Para alguns, “globalização” é o que devemos fazer se quisermos ser felizes; para outros, é a causa da nossa infelicidade. Para todos, porém, “globalização” é o destino irremediável do mundo, um processo irreversível; é também um processo nos afeta a todos na mesma medida e da mesma maneira. Estamos todos sendo “globalizados” – e isso significa basicamente o mesmo para todos.[1]

A velocidade com que as informações são transmitidas, a permanente conectividade e a ausência de fronteiras são apenas alguns dos elementos deste universo globalizado, em que as mais diversas transações ocorrem ao redor do mundo, a todo tempo, e tudo é disseminado em tempo real.

Tudo isso é potencializado quando observamos o fenômeno em conjunto com a democratização cada vez maior da internet. Hoje, usa-se a internet para praticamente tudo e não há mais fronteiras para a realização de negócios. Duas pessoas em lugares completamente opostos no planeta podem se conectar em tempo real e formalizar operações de compra e venda de mercadorias, de prestação de serviços, dentre outros, muitas vezes amparadas por contratos digitais.

É diante desse contexto globalizado e hiperconectado que surgem cada vez mais transações de caráter transnacional (“cross border transactions”), sejam entre empresas (business to business – “B2B”) ou entre empresas e consumidores finais (business to commerce – “B2C”), e se torna cada vez mais evidente o surgimento de um ambiente comercial supranacional e de fenômenos normativos dissociados dos ordenamentos jurídicos nacionais.

O e-commerce cresce no mundo inteiro, numa velocidade surpreendente, e é possível dizer que é um caminho sem volta, sobretudo depois dos efeitos econômicos experimentados mundialmente durante e pós pandemia de covid-19.

Como consequência direta do aumento das cross border transactions, especialmente por meio do e-commerce, pode-se observar também um crescente número de disputas advindas dessas novas relações e, consequentemente, de uma demanda cada vez maior por mecanismos alternativos de resolução de disputas que sejam rápidos, eficientes e, sobretudo, de baixo custo. É nesse cenário que ganha especial importância o inovador mecanismo de Resolução Online de Disputas, também conhecido como “ODR” (do inglês “Online Dispute Resolution”).

Foi diante desse contexto que a United Nations Comission on International Trade Law (UNCITRAL), após a quadragésima terceira sessão da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), realizada entre 21 de junho e 9 de julho de 2010, ficou encarregada de se debruçar sobre o assunto, ante a sua relevância para o comércio internacional, e montou um grupo de trabalho específico para analisar as questões relativas à ODR.

Do trabalho desse grupo especializado resultou a publicação, em abril de 2017, da Nota Técnica sobre Resolução Online de Disputas[2]. Essa nota técnica, que serviu de subsídio para o presente trabalho e para as considerações que serão apresentadas, comporta, em princípio, apenas standards técnicos e não vinculantes, mas que servem de guia para os procedimentos ora em análise e que não devem ser ignorados.

No presente artigo, busca-se apresentar uma visão geral da ODR, avaliar as suas vantagens e desvantagens e, ainda, propor uma mudança paradigmática, sob a perspectiva do crescimento das cross borders transactions, da maior utilização da ODR e, em especial, da tecnologia do blockchain, fazendo uma reflexão, ao fim, sobre o papel da UNCITRAL no desenvolvimento e uniformização desses mecanismos dentro do contexto do comércio internacional.


[1] BAUMAN, Zygmunt. Globalização: as consequências humanas.  Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1999. p. 5.

[2] Para maiores detalhes, ver: UNCITRAL. Technical Notes on Online Dispute Resolution. New York: United Nations, 2017. Disponível em: https://uncitral.un.org/sites/uncitral.un.org/files/media-documents/uncitral/en/v1700382_english_technical_notes_on_odr.pdf. Acesso em 11 de setembro de 2023.

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